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Chave do Tamanho, Rio de Janeiro.

Em 2017 fui visitar a escola piagetiana Chave do Tamanho. A escola se localiza no Recreio dos Bandeirantes, Rio de Janeiro. A princípio, a ideia de uma escola piagetiana me instigou muito, tendo em vista o fato de não ter ouvido falar de nenhum outro projeto pedagógico no mundo que segue esta linha. A referência da escola é o educador Lauro de Oliveira Lima, figura importante no universo da história da educação e na militância política brasileira. Vale frisar que, de acordo com os meus estudos, esta escola não se enquadraria na proposta de educação democrática. Entretanto, penso que faz sentido expor a experiência de uma escola com um viés diferente.

A Chave do Tamanho existe há 45 anos e foi considerada pela diretora Beta enquanto uma escola “familiar”.Lauro de Oliveira Lima foi quem trouxe os estudos piagetianos para o Brasil. Ele entrou em contato com Piaget para que o mesmo autorizasse a criação de uma escola em seu nome e a partir de seus estudos.  Piaget não criou um método pedagógico e sim teorias. Foi Lauro de Oliveira Lima, junto com sua filha, que criaram atividades a partir da dedução das teorias de Piaget.

Beta considera esta escola “radical” e “rigorosa”. Isto é, eles seguem estritamente as ideias de Piaget e nada mais. Trata-se de uma escola “cientifica” e “sistematizada”. Ela não acredita em escolas “livres” e sim em uma sistematização dos estudos. Na Chave do Tamanho, todas as atividades já estão preparadas previamente. Criaram-se atividades para todos os níveis e anos, assim, os avós que estudaram na escola terão exatamente as mesmas atividades que os seus netos que hoje frequentam.

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A escola é dividida de acordo com os níveis de desenvolvimentos de Piaget. No entanto, pode ser que o nível pré-operatório, por exemplo, tenha pré-operatório 1, 2 e 3 de acordo com o desenvolvimento da criança. Cada “prô” (educador) trabalha com até 15 alunos, havendo uma média de 8 turmas na escola, 100 crianças. As turmas são chamadas de “recanto” e cada recanto possui o nome de um personagem do Monteiro Lobato. Ex: Recanto Pedrinho; Recanto Emília. A Chave recebe crianças de poucos meses de idade até os 15 anos. Em dado momento, incluiu-se o ensino médio, mas hoje em dia não há mais.

Antes de trabalhar na Chave, todos os professores candidatos à vaga fazem um extenso curso sobre as teorias piagetianas e devem estagiar na escola por um período indeterminado. Após este momento, alguns são selecionados. Os professores não dão nenhuma aula expositiva – De acordo com Piaget, a criança aprende descobrindo ou inventando. De acordo com a diretora, não se “ensina” nada na escola. O professor não pode explicar nenhum conteúdo programático, a criança deve descobrir sozinha. Para que ela entre em contato com os conteúdos, apresentam-se livros por matérias, nos quais existem tarefas a serem realizadas. As matérias são sempre relacionadas e integradas. Se uma criança não compreendeu determinada matéria, o professor não pode intervir, pois significa que ela ainda não está preparada para a realização da mesma. Caso ela tenha alguma dificuldade, o professor pode acrescentar alguma folha no livro que poderá auxiliar na aprendizagem da criança.

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Assim, a Chave do Tamanho não tem divisão de séries e tampouco provas. Uma vez que a criança atinge determinado nível de desenvolvimento, ela pode passar para o “recanto” seguinte, mesmo que isso aconteça no meio do ano letivo. As avaliações, na verdade, são apenas sondagens para saber como o ensino está acontecendo. Se determinada criança não conseguiu aprender um assunto, isto serve como uma avaliação/feedback do próprio ensino do professor. As avaliações não são utilizadas de modo a gerar notas e classificações, e sim saber o que o aluno já absorveu até o momento. Nas salas de aula, não há carteiras enfileiradas direcionadas para um quadro, e sim mesas com as quais é possível formar grupos para as crianças fazerem suas atividades e dinâmicas.

Todos os dias, os professores chegam antes e organizam o planejamento do dia para ser apresentado para a coordenação. Após o aval da coordenação, é possível que a aula se inicie. As atividades organizadas no dia já estão todas prontas e pré-estabelecidas. O professor só tem que realiza-las. Há um planejamento anual com todas as tarefas e atividades copiladas. O professor não cria nada, apenas pega o material já planejado. Por exemplo, se todos os dias o aluno tem que resolver um “enigma”, existem já 200 enigmas preparados, um para cada dia letivo. A criança deverá seguir a ordem dos enigmas, que foi pensada de acordo com o seu nível de desenvolvimento. Uma vez feito os enigmas, eles são compartilhados na sala, porém não são corrigidos. Acredita-se que não há resposta certa, então as crianças podem trocar as suas respostas e quem sabe chegar a alguma conclusão juntos. 

 

O professor NUNCA fala.  Se a criança não sabe, é porque não construiu esse esquema e se não construiu, é porque aquilo não está no seu nível. Se a criança escreve alguma palavra errada, por exemplo, o professor não corrige, pois acredita-se que a própria leitura da criança e o contato com aquela palavra irá corrigir. As atividades são feitas de 5 em 5 minutos (com os menores) e 10 em 10 minutos (mais velhos). Há apenas um professor referência por "recanto". Nos níveis das crianças maiores, existem professores de área, devido as exigências da lei. No entanto, estes professores aplicam o mesmo processo de não intervir e ensinar nenhum tipo de conteúdo.

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As crianças são avaliadas individualmente, atentando para o seu desenvolvimento integral como, por exemplo, se consegue abrir embalagens, se divide o material, se escuta com interesse, se tem uma rotina de higiene, hábitos, se está muito agitado ou passivo, o que gosta, etc. Quinzenalmente, os professores realizam um sociograma do grupo a fim de avaliar as interações entre as crianças. Por exemplo, perguntam com quem elas gostariam de trabalhar e observam os mais escolhidos e os mais excluídos. As aulas são sempre feitas em grupo de 3 ou 5 crianças, nunca 4, para que desta forma não se criem pares e possa haver conflito.Assim, os grupos são sempre priorizados em detrimento de atividades individualizantes

 

Na Chave, o desenho é tão valorizado quanto uma atividade de escrita. As crianças possuem um diário pessoal, no qual podem escrever ou desenhar, podendo ser acessado pelo professor posteriormente. É proibida a utilização de tablets no pátio, assim como trazer celulares para a escola (estes ficam retidos na secretaria). A escola também realiza excursões/pesquisa de campo mensais para museus, mercados, centro da cidade.

Na parte da tarde, a escola também oferece aulas como música, educação física, inglês, capoeira, natação, culinária, etc. Existem aulas de apoio psicopedagógico no contraturno para crianças que estão com dificuldade de acompanhar o seu grupo. Por exemplo, uma criança com dificuldade de espaço ficará a tarde para realizar tarefas de quebra-cabeça. escola não recebe crianças de inclusão. De acordo com a diretora, só são aceitas crianças com capacidade de realizar dinâmicas de grupos. Ela foi contra a presença de mediadores, pois acredita que a referência deve se concentrar no professor de cada recanto.

Não há nenhum momento de livre brincar das crianças. Nesse “recreio”, elas estão separadas pelos recantos e os professores estão ali orientando a atividade que deve ser feita no pátio. Há uma lista de jogos planejada de acordo com cada nível de desenvolvimento.  O almoço é servido dentro de sala de aula. As crianças são responsáveis por limpar a sala, se servir, assim como organizar a louça suja. Todos os dias, as crianças são “chefes” de alguma área como, por exemplo, chefes da limpeza, chefes das mesas, chefes da organização, chefes do lanche, chefes do trenzinho para sair da sala, etc.

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As atividades fixas e obrigatórias de todos os dias são: apresentação de um objeto novo para a criança e situação problema (todas já esquematizadas no planejamento). Uma situação problema pode ser uma questão de logica, assim como pedir para uma criança que saiba descer escada sozinha e saiba dar a mão aos amigos, que faça os dois ao mesmo tempo: descer as escadas de mãos dadas. Além disso, as crianças leem um livro por semana que pode ser escolhido na biblioteca de cada recanto e depois preenchem uma ficha sobre o livro. Existem livros que são lidos pelo recanto todo – estes livros são necessariamente do Monteiro Lobato, fazendo com que as crianças leiam toda a sua obra ao fim da vida escolar. 

A escola possui um método de alfabetização próprio: alfabetização por meio de índices e sinais. Por exemplo, apresenta-se uma imagem de um mamão desenhado e repete-se “mamão”. Ou elege-se uma embalagem, propaganda, com a palavra OMO. Então, destaca-se a palavra da embalagem. Em seguida, apresenta a mesma palavra em fonte distinta. Busca-se palavras e embalagens relacionadas ao contexto da cada criança. Se uma toma leite ninho e a outra Parmalat, trarão as diferentes palavras. Assim, não se leem palavras, e sim cores, formas (Gestalt).

Por fim, Beta contou que toda a metodologia da Chave do Tamanho foi construía por eles em todos esses anos, visto que Piaget não deu uma pedagogia pronta. Organizaram e sistematizaram todas as atividades e assim são repetidas todos os anos. Eles realizam diversos congressos, nos quais vem estudiosos piagetianos do mundo inteiro assistir sua proposta de escola interacionista. Ao fim da conversa, afirmou-se a necessidade de  um planejamento anual, pois acredita-se na sistematização e na criação de cientistas. Depois de mais de duas horas e meia de conversa, pude visitar o espaço da escola, entrar nas salas e fotografar os murais.

Para mais informações:

http://www.jeanpiaget.com.br/

http://beta-escoladepais.blogspot.com.br/

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