Escola Comunitária Cirandas. Paraty, RJ.

Em 2017, tive o privilégio de passar um mês na Escola Comunitária Cirandas, em Paraty. Em uma ciranda, todos são bem-vindos e participam, de mãos dadas, olhos atentos e energia circulante. Ninguém fica de fora. Todos são vistos e todos se veem. Seu ritmo lento e suave permite a participação de todas as idades. Não existe limite numérico para uma ciranda. Pode começar com uma pequena roda de poucas pessoas, que aumenta à medida que outros chegam para dançar, abrem o círculo e seguram nas mãos daqueles que já se encontravam ali presentes. Bem, foi assim que me senti ao chegar na Escola Comunitária Cirandas. Uma ciranda já circulante,uma ciranda em movimento, que abriu as suas mãos e recebeu as minhas, segurando-as com pulsos fortes, para compor este círculo de trocas.
A Cirandas é uma escola que trabalha por ciclos no lugar de séries. Estes ciclos são compostos por crianças de diferentes idades, pois acredita-se na importância da interação entre as distintas faixas etárias frente a oportunidade de troca e crescimento entre as crianças.
Em 2017, após algumas saídas a campo no início do ano a fim de despertar interesses e dúvidas, o Ciclo II se dividiu em três projetos que gostariam de se aprofundar: desigualdade social, música e tecnologia. Cada professor de área (português, matemática, ciências humanas, ciências biológicas e inglês) traçou um plano de estudos/roteiro para cada grupo. Por exemplo, na aula de ciências humanas, o professor traçou um plano de assuntos que os alunos devem passar, sempre procurando relacionar com o currículo. Em cada aula, ele apresenta um mini roteiro do dia para os estudantes realizarem, podendo se valer de livros, textos, internet, filmes, etc.


Estes roteiros são uma forma de mediar as pesquisas dos alunos e, consequentemente, seguir as diretrizes curriculares a partir da integração dos saberes. Assim, respeita-se o ritmo de aprendizagem de cada criança. Para além de um currículo pronto e conteudista, visa-se um currículo integral, onde a criança é vista enquanto um ser complexo, abordando suas questões cognitivas, sociais, artísticas, físicas e emocionais. Cirandas é uma escola que acredita na sua função de transformação social, oferecendo 50% de suas vagas para alunos bolsistas, visando uma realidade escolar com diversidade social.
A quebra de paradigma do modelo tradicional é algo inovador e pioneiro em muitos sentidos. No entanto, esta experiência não seria tão transformadora, se não fosse baseada em ingredientes essenciais: amor, confiança, respeito e diversidade. Trata-se de um espaço que acredita no afeto como fio condutor da relação entre os seres humanos, sejam estes educadores, sejam alunos. Valoriza-se o diálogo e a união, assim como a liberdade e autonomia das crianças ali presentes.
A partir de então, podemos ver estes valores em pequenas práticas significativas do dia-a-dia. Uma escola na qual as regras e combinados são feitos entre alunos e educadores, faz com que a noção de participação, cidadania e responsabilidade ganhem sentido desde cedo. Uma vez participante dos combinados, as crianças entendem o porquê das regras ao seu redor, ao invés de recebe-las como um dogma fechado em si mesmo. A autonomia é valorizada através do simples ato de lavar a sua louça, de limpar a sua sala de aula, de organizar seu espaço de convívio e, inclusive, de escolher os temas que gostaria de estudar.


O respeito ao próximo se faz presente quando se acredita que, para conquistar o silêncio, mais do que gritar exigindo o mesmo, levanta-se o braço – código este acordado entre todos da escola. Nesta escola, aprendi o valor da sociocracia, modelo este que caminha em direção a uma harmonia, transparência e união entre os indivíduos. Para a tomada de decisões, leva-se em consideração as necessidades de cada pessoa dentro do grupo, uma compreensão das questões de cada um ao longo de um processo, assim como o respeito mútuo. Os ciclos entre si debatem e elegem representantes. Estes representantes se reúnem, juntamente com a direção da escola, para conversar sobre os pontos levantados.
Cada ciclo tem um tutor – educador responsável por acompanhar as crianças de forma atenciosa e singular. O tutor é aquele que sabe sobre o desenvolvimento de cada criança, suas conquistas e dificuldades, sua história familiar, suas questões internas e desafios. No ciclo II, o tutor se faz presente em uma dupla docência com os educadores de áreas especificas (português, matemática, ciências biológicas, ciências humanas e inglês), pois será aquele que fará uma costura entre os assuntos debatidos nos diferentes momentos da semana. Trata-se de uma referência de cuidado e trabalho individualizado. Eles também são responsáveis pela avaliação da criança feita ao longo de todo um processo, a partir da reflexão constante do próprio processo pedagógico. As crianças também têm a possibilidade de se auto avaliar em um “mural de aprendizagem” colado na parede da sala no qual preenchem o seu nome, data e o que aprenderam no dia.


Mais do que algo pronto e acabado, nesta escola aprendi o significado da palavra “processo”. Não é uma escola perfeita e tampouco se propõe a ser. Uma escola viva é uma escola em constante movimento, com tentativas, acertos e erros. Uma escola que é compreensível com cada passo que é dado de cada vez, entendendo que esta história se constrói dia após dia. Longe de querer seguir modelos prontos, a Cirandas se entende enquanto escola Comunitária exatamente por levar em consideração o contexto especifico em que está inserida, assim como a participação ativa das famílias na construção. Uma escola que sabe reconhecer quando os erros surgem, sabe reconhece-los de forma humilde e sabe reelabora-los como crescimento. É uma escola que se constrói todos os dias, com muito esforço e muito trabalho em equipe.
Os educadores também estão em um constante processo de ensino e aprendizagem. Além de tudo o que aprendem pela própria interação e sabedoria das crianças, também participam de grupos de estudos semanais, nos quais cada educador traz um tema que gostaria de compartilhar com os demais.
Para iniciar o dia escolar, vive-se um momento de harmonização. Trata-se de um momento de conexão com o novo dia, abertura para os atravessamentos e afetos que virão. São alguns minutos iniciais que fazem toda a diferença na presença de cada um ali. Presenciei exercícios de respiração, yoga, relaxamento, mantras, ou até mesmo contar como cada um está se sentindo neste novo dia e quais novidades querem ser compartilhadas. Abre-se o canal de imersão em mais um dia, agradecendo a presença iluminada e com saúde de cada um. Antes das refeições, agradecemos o alimento que chega até nós. No mesmo caminho, a conexão das crianças com a natureza a sua volta é emocionante. A horta, as plantas comestíveis, as medicinais, os frutos maduros, o lixo orgânico fazem parte do processo educativo. Na Cirandas, pude me ressiginificar enquanto ser humano, educadora e militante na luta por uma educação horizontal, crítica e participativa.


Na Cirandas, entendi o poder da cultura popular brasileira e a importância da sua total imersão na educação neste país. Aprendi que todos os funcionários são educadores, sem distinção de funções mais ou menos valorizadas socialmente. Aprendi a importância de mediar conflitos entre crianças e ouvir seus relatos, ao invés de trazer soluções prontas. Aprendi a colocar limites com respeito e carinho. Ampliei o meu olhar sobre a sabedoria das crianças e tudo aquilo que devemos aprender com elas em cada gesto, olhar e expressão. A Escola Cirandas me fez continuar acreditando no meu sonho de educação libertadora com ainda mais força, pois: “sonho que se sonha só, é só um sonho que se sonha só. Mas sonho que se sonha junto, é realidade (Raul Seixas)”.






















