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Escola Oga Mita, Rio de Janeiro.

As turmas do Fundamental I possuem nomes indígenas que as acompanha até o final do ciclo escolar. Era possível visualizar nomes costurados como bibelôs na porta de algumas salas. Ao adentrar nas salas, todas as mesas e cadeiras estavam agrupadas em pequenos círculos, nunca em fileiras. A coordenadora disse que a escola não trabalha a partir de carteiras enfileiradas e aulas expositivas. Nas paredes, era possível ver uma lista de “acordos” ou “combinados” de cada turma, se tratando de regras criadas em conjunto. Cada turma realiza uma assembleia, onde são discutidas questões referentes ao cotidiano escolar e novas propostas. No quadro, havia o planejamento do dia: música, caderno universitário, biblioteca, lanche, pátio, ciências, desenho coletivo, livro correção, funções e saída. Este planejamento é feito no início do cada dia e construído entre a professora e os alunos.

Em maio de 2017, fui muito bem recebida na Escola Oga Mita pela  coordenadora. da escola As sedes da escola funcionam separadas: o infantil acontece em um prédio, na mesma rua, porém mais distante. Visitei o prédio do Fundamental I e, em cima deste, utilizando um teleférico, é possível chegar no Fundamental II e Ensino Médio. Hoje em dia a escola recebe cerca de 600 crianças no total. O Oga Mitá existe há mais de 40 anos.  A coordenadora me contou sobre a criação da escola: disse partiu de um grupo de amigos se formou  e decidiu que iriam permanecer juntos. Fizeram trabalhos relacionados a educação no Morro do Borel, próximo à região, e a partir deste despertar, resolveram criar uma escola, construída por eles mesmos. Deste grupo de amigos, hoje somente um permanece na escola, como diretor. Ao adentrar na sede do Fundamental I, achei o espaço bonito e reformado.

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Há um turno integral para crianças que permanecem na parte da tarde. As atividades da tarde foram construídas juntamente com pais/mães a partir de um questionário. De acordo com a coordenadora, ao invés do integral ser um depósito de crianças, como ocorre em muitas escolas, a ideia é ser um espaço rico, em que as crianças possam se sentir em casa. A alimentação das crianças deste turno é feita a partir de um coletivo de alimentação saudável: há uma preocupação com educação alimentar e este grupo cozinha na própria escola com alimentos naturais.

Ao adentrarmos na biblioteca, havia um grupo de crianças sentado no chão em roda, juntamente com uma educadora. Esta educadora é uma dinamizadora da biblioteca e realiza atividades naquele espaço, recebendo diversas turmas por dia.  Nas prateleiras, haviam livros de contos indígenas e africanos. A coordenadora contou que eles recebem muitos autores de livros na escola para conversas e bate papos, aproximando o processo de criação de um livro.

Todas as turmas do Fundamental I possuem uma professora e uma estagiária. A organização escolar funciona a partir de um projeto central, eleito pelas professoras no início do ano. A partir desta temática, cada turma adentra por um recorte e realiza os estudos a partir deste horizonte. Por exemplo, o projeto elegido no último ano foi “a última gota d’agua”. Algumas turmas se interessaram por falar sobre racionamento de agua e, a partir deste tema, estudaram ciclo das chuvas, saneamento básico, etc. Outra turma fez um mural no qual cada um desenhava uma gota e, dentro dela, escrevia o que era a “gota ´d’água” para você, aquilo que você não tolera. A partir destes vieses, os conteúdos vão sendo abordados. Ao final de cada ciclo de temas, há uma “moitará”. Este termo se refere ao encontro indígena quando cada tribo traz aquilo que produziu de alimentos e fazem uma grande troca. No caso da escola, trata-se de uma troca de conhecimento: cada turma apresenta aquilo que estudou sob forma de exposição, apresentação oral, etc.

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Os estudantes do Ensino Fundamental I não possuem provas e sim uma avaliação processual feita pelas professoras e uma autoavaliação feita por eles mesmos. Os critérios não são notas e sim: "conquistou o conteúdo", "não conquistou", "próximo de conquistar", "começando a conquistar". Há um acompanhamento próximo e individualizado das crianças. São em media 25 crianças por turma. Apesar da escola estar aberta aos interesses e desejos dos alunos, existem objetivos determinados a serem cumpridos por ano. De acordo com a coordenadora, isto não é mera rigidez: há certos conteúdos que determinada idade costuma aprender. As crianças realizam os chamados “contratos”, isto é, aquilo que compreendemos como exercícios e atividades em sala de aula propostos pela professora. Há passeios anuais nos quais as turmas participam: quando pequenos, dormem 1 dia na escola. Depois, passam o final de semana em um sitio na natureza. Aos poucos, as viagens vão aumentando. Contou que foram para Paraty com uma turma e que lá realizaram uma gincana sobre o centro histórico.

A coordenadora pontuou que o maior diferencial da escola é a relação com as mães e pais. Eles são convidados a estar presente e participar do processo, não existindo aquela ideia de “pai chato”, “mãe cricri”. Há reuniões com as mães e pais nas quais as professoras apresentam um relatório, não somente de conteúdo, e sim de como a criança está, o que ela tem feito, como ela tem se relacionado. As famílias também estão presentes nas diversas festas da escola. O Oga Mitá não comemora festas comerciais, no entanto, não faltam motivos para festejar! No mais, as mães e pais também participam das questões financeiras da escola.  A escola não trabalha com bolsas. A coordenadora disse que a gestão da própria escola é muito horizontal e todos participam de todas as decisões.

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A coordenadora fez questão de me apresentar para todos os professores e estudantes que cruzavam pelo caminho, sendo extremamente atenciosa. Me contou sobre o caso de uma mãe que foi viajar por dois meses e estava muito preocupada de se afastar do filho. A escola deu muito apoio e combinaram que, todos os dias, ela enviaria um email para a turma contando sobre Londres. E assim aconteceu: toda manhã as crianças entravam ansiosas no email para ver o que ela iria contar. Um dia, ela enviou a foto de uma múmia que havia visto em um museu. As crianças acharam aquilo muito interessante e quiseram estudar sobre as múmias: entenderam que as pessoas eram enroladas com fio de linho, quiseram saber o que era linho, os responsáveis enviaram roupas de linho para a escola. Quiseram estudar sobre o Egito, geografia, politica, mitos. Diante disso, a escola convidou um pai que viveu por 5 anos no Egito, cujo filho era de outra turma e série, para contar um pouco sobre a sua experiência e por ai vai..

Ao perguntar sobre o Fundamental II, compreendi que a dinâmica é bem diferente devido à proximidade com o vestibular e outros obstáculos. Há um professor para cada disciplina e a dinâmica não funciona por meio de um projeto central. Pode ser que algum professor em particular crie um projeto como, no caso do professor de português, construiu uma horta em conjunto com os alunos. Os professores se encontram semanalmente em reuniões onde, se quiserem, tem a abertura para pensar formas de integrar os conteúdos que são passados em suas aulas. A avaliação é feita por meio de provas. 

A escola no Fundamental II e Ensino Médio apresenta, assim, uma dinâmica mais tradicional. No entanto, continuam valorizando muito as artes como, por exemplo, aulas com o Teatro do Oprimido. Neste ano, o 6º e 7º ano sentiram a necessidade de um tutor que pudesse acompanhar as aulas e ser uma referência para as turmas. Para passar do 9º ano para o Ensino Médio, os estudantes realizam uma monografia. Cada um elege um tema de interesse e um orientador. Ao final, apresentam o seu trabalho.

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Sobre inclusão, a escola recebe muitos alunos, sendo um 1 aluno oficialmente diagnosticado por turma (isso pode ser flexível). As “necessidades especiais” são das mais variadas. A escola não trabalha com mediação e não há psicólogos. Cada turma, no caso do Fundamental I, possui dois educadores, podendo dar uma atenção especial, caso seja necessário. No Fundamental II, há uma educadora que recebe os alunos em uma espécie de “sala de recursos”, na qual eles frequentam e realizam atividades individualizadas ou em grupo. De tempos em tempos, os professores podem consultar uma psicóloga que auxilia em algumas questões específicas de alunos ou da turma, como uma espécie de supervisão. Assim, o contato da psicóloga seria com os professores e não com os estudantes.

Por fim, de acordo com o site da escola, o Oga Mita tem a diversidade como ponto de partida. Pensa a criança numa perspectiva histórica e social, a reconhecendo como um sujeito com conhecimentos, desejos, expectativas, valorizando o seu ponto de vista. No mais, a educação é vista como um projeto coletivo e envolvente. A cumplicidade entre pais/mães, professores e coordenadoras é muito importante, convocando toda a comunidade escolar para a construção de um trabalho de qualidade.

Para mais informações: 

http://ogamita.com.br

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