Teia Multicultural. São Paulo, SP.

Fui extremamente bem recebida na escola Teia Multicultural em 2017. Na parte da manhã, estive na sede da educação infantil e fui recebida pela coordenadora Rosa Bertollini. Ela foi extremamente acolhedora e carinhosa, explicando detalhadamente a escola e dedicando toda a sua manhã para este encontro. A Teia começou há 12 anos por uma iniciativa da Rosa e de sua sócia, no momento em que resolveram buscar diversas inspirações para criar uma escola transformadora. Aos poucos, foram encontrando brechas na lei para se estabelecerem. Teia tem uma forte ligação com a Politeia, outra escola democrática criada nas mesmas bases.
Em 2017, a Teia tinha 75 alunos na educação infantil e 110 no ensino fundamental e ensino médio. O ensino médio ainda era um projeto piloto, abarcando poucos alunos. Rosa disse acreditar na educação pública e, apesar de não ter sido possível criar uma escola neste campo, se esforça continuamente para que a escola continue tendo preços baixos e acessíveis. A escola recebe influência principalmente da educação de Regio Milia, na Italia, assim como de educadores como Lauro de Oliveira Lima, Paulo Freire, Anísio Teixeira, Montessori, etc. Ela define a educação da Teia Multicultural como uma relação de ensino aprendizagem pautada nas artes e no autoconhecimento.
As turmas são a junção de duas idades: turma 1 tem crianças de 2 e 3 anos, turma 2 tem crianças de 4 e 5 anos e assim por diante. Cada turma da educação infantil tem 12 crianças sob orientação de uma tutora e uma auxiliar e,conforme vão crescendo, são 15 alunos para uma tutora. As crianças não possuem salas fixas, havendo uma rotatividade por todo o espaço da escola. Algumas crianças com necessidades especiais possuem acompanhantes terapêuticos.


Rosa nos explicou a dinâmica da escola a partir da documentação pedagógica. Esta documentação é uma organização constante de todo o processo pedagógico. Diferentemente de um portfólio pronto, é uma documentação que os educadores acessam e revisitam constantemente. No início de cada ano, todos os educadores se reúnem em uma viagem de 7 dias de imersão. Ali, além de terapias de grupo, realizam todo o planejamento do ano e definem o "tema gerador" do ano. Para o ensino infantil e fundamental I, este tema é baseado em uma peça de teatro. Já o ensino fundamental II e ensino médio se baseiam no cinema.
Por exemplo, no último ano o tema gerador/projeto foi a peça “Os Saltimbancos”. Os educadores leem a peça e entram em uma intensa discussão sobre o texto e suas reflexões. A partir daí, surgem diversas palavras: coletivo, propriedade privada, revolução, solidariedade, etc (média de 200 palavras). Essas palavras são divididas em eixos/blocos: arte, revoluções, sonhos, grupos, forças do coletivo e sonhos. Cada turma então elege um destes eixos e cria uma pergunta. Por exemplo, a turma 1 escolheu "propriedade" e então trabalharam questões como corpo, casa, campo, êxodo rural, cidade. O 2º e 3º ano escolheram como projeto o eixo “revoluções” e criaram a pergunta: Como agir diante de problemas? - Para outra turma, o eixo “origem” desenvolveu a pergunta: Qual a semente da gente?
Assim, o projeto dos Saltimbancos é trabalhado de forma indireta ao longo do 1º semestre e somente no 2º semestre o texto é divulgado. Cada turma trabalha os conteúdos dentro dos seus eixos, sempre relacionando com os PCN’s (parâmetros curriculares nacionais) de forma transdisciplinar. O conhecimento não é ensinado e sim construído nas pesquisas. Quando questionada porque são os adultos que elegem os projetos, ela nos explicou que os adultos orientam as crianças, ensinando responsabilidades e oferecendo indicação de escolhas até uma certa idade. Trouxe o exemplo de uma criança que não quer tomar banho. A criança não pode simplesmente não tomar, no entanto, pode escolher junto aos pais em que momento tomará.
No final do 1º semestre de cada turma, é feita uma instalação artística relacionado ao tema. Já no 2º semestre, a história da peça é contada aos alunos e todos estudam e elaboram o texto da peça teatral. No final do ano, todos juntos fazem uma peça construída inteiramente pelos alunos da educação infantil e ensino fundamental I.


Apesar dos projetos serem planejados, a escola é totalmente flexível frente às demandas e interesses dos alunos. Se as crianças querem outras coisas, é possível "rasgar" (sic) o projeto se necessário. O importante são as necessidades de acordo com a realidade atual. Além dos tutores, também há os especialistas – educadores especializados em dança, música, judô, inglês, etc. Estes educadores também se adaptam ao projeto do semestre e à flexibilidade do dia a dia.
Há uma “rotina” de atividades e momentos na escola, o que é chamado pelos educadores de “cotidiano”. As crianças ficam livres de 08h as 10h e depois participam de propostas dos educadores. Há rotina, mas há liberdade tanto para desejos individuais como para os interesses da turma. Os roteiros na Teia são desenvolvidos com a turma inteira. As crianças cumprem um turno de 07h /08h as 15h ou de 11h as 18h – de acordo com a disponibilidade dos pais/mães.
Rosa nos contou sobre um projeto que uma educadora havia elaborado sobre "culturas". No entanto, a partir de uma visita ao parque (eles visitam o parque próximo da escola com frequência – quintal da escola), as crianças viram um bambuzal e trouxeram a temática do saci. A partir do saci, descobriram que ele nasceu da natureza e começaram a investigar as flores e suas partes. A partir das flores, pensaram a origem dos bebes e o que cada criança “puxa” de seus pais/mães (genética). Investigaram também os diferentes tons de pele de cada um. Assim, por mais que houvesse uma intenção de mergulhar no eixo “cultura”, priorizou-se aquilo que estava sendo convocado pelas crianças naquele momento.
Frente à exigência do MEC de notas, a Teia criou uma alternativa de avaliação. Todos os dias há um registro daquilo que foi feito nas atividades: pode ser escrito, preparado pelo educador, desenhado, um cartaz, etc. O importante é ver a relação da criança com aquele aprendizado. Assim, criou-se escalas de interesse: ANMI (ainda não manifestou interesse); IED (interesse em desenvolvimento); IDP (interesse desenvolvido plenamente). Caso uma criança tenha passado por 2 anos em uma turma e não tenha desenvolvido interesse em determinado tema, tenta-se entender o que aconteceu e há uma espécie de “reforço”.


Ao final de um projeto há um registro sobre isso, uma espécie de avaliação tanto dos educadores quanto autoavaliacao dos próprios alunos. Às vezes, eles mesmos podem falar que estão achando IED e não IDP. Exemplo 2: Os alunos resolvem construir um foguete com todos os seus conhecimentos. Pode ser que no momento do registro, o aluno não saiba responder sobre os ângulos do foguete, mas ele pode ter construído o foguete com muito afinco. Diante disso, questiona-se o que aconteceu para ele não saber os ângulos, mas isso não se sobressai frente às conquistas dele.
Ao final do ensino fundamental I, os alunos fazem uma monografia sobre os temas que lhe interessam. É o seu próprio projeto. As crianças elegem os temas, têm reuniões de monografia com os tutores, elaboram suas pesquisas e ao final “defendem” na frente da escola. O desenvolvimento desta monografia e seu envolvimento são importantes para a passagem para o fundamental II. O mesmo ocorre do fundamental II para o ensino médio.
No ensino fundamental II, os alunos elegem um tema e realizam um curta metragem. Um dos projetos deste ano é sobre crise: crise emocional, financeira, política e por aí vai. São dois curta-metragem ao final do ano: um para o 5º e 6º ano e outro para 7º e 8º ano. O projeto sempre do 1º ano do fundamental II é a história do cinema. No segundo ano, eles elegem 3 temas e os professores escolhem 1 destes temas. No ano seguinte, eles participam da reunião dos professores para saber como eles elaboram um projeto. E no último ano, eles fazem o próprio projeto (relacionando sempre com os PCNs).


No Ensino Fundamental e Ensino Medio e os educadores da cada área também integram os saberes em suas aulas: por exemplo, o educador de música estava trabalhando português através da leitura de uma letra de música; o de artes estava trabalhando matemática ao criar um jogo de tabuleiro com os alunos. Os educadores podem dar aulas expositivas se acharem necessário. Há uma rotatividade constante das matérias com os espaços. Então, normalmente as aulas tradicionais só acontecem quando as matérias estão na “sala de registro” (sala dedicada para um estudo mais formal). Por exemplo, é possível ter matemática na quadra, na horta, no parque, etc.
Por fim, a escola trabalha por meio de assembleias onde são discutidas questões de relações e dos espaços de convivência. A parte pedagógica não entra nas pautas das assembleias, apesar de haver uma abertura para receber propostas. As assembleias são formadas apenas por alunos, sem educadores ou funcionários. Sendo assim, nesta escola, responsabilidade e liberdade andam sempre juntas.















